ROCKTONNES MISTURA ROCK COM POESIA


A banda ROCKTONNES fala do ser humano em sua essência, com seus conflitos, suas angústias, suas frustrações, suas ambigüidades e suas contradições.
Muitas vezes utilizam para tal a poesia simbolista de Cruz e Sousa, misturando às suas letras pensamentos, palavras, frases, citações enfim, da obra do poeta em suas composições.
Vejam por exemplo passagens como: “Infinitos espíritos dispersos”, ou, andareis “nervoso, quente e forte” e ainda, pelo “tropel cabalístico da morte” do poema ANTÍFONA além de “Vala comum de corpos que apodrecem” retirada de TÉDIO, entre outras na canção intitulada FRAGMENTOS, por ser sim, boa parte composta com fragmentos de poesias de Cruz e Sousa mescladas a capacidade inserciva da banda.
Outra composição começa com a frase “Cuspindo injúrias para o céu...” do poema CANÇÕES NEGRAS e segue com palavras alternadas como “um só minuto, vago, luto, mudo e sozinho” de AUSÊNCIA MISTERIOSA na música que ficou simplesmente intitulada como AUSÊNCIA.
Já em PESADELO tem-se outra enxurrada de palavras e frases magistrais do mestre Cruz e Sousa do tipo “Não és, ..., torva morte horrenda”, ou, “Febre antiga de gentis pecados” dos respectivos poemas NOIVA DA AGONIA e REGENERADA.
Outra canção que utiliza frases arrebatadoras e fortes do poeta é KAOS que nos brinda com “Carnes que amei sangrentamente” do poema DILACERAÇÕES, neste caso foi substituida a última palavra por “secretamente” e “sentimentos carnais, estes que agitam” do poema SENTIMENTOS CARNAIS.
Também é possível perceber a influência do autor na música CLOWN, que nada mais é do que a visão da banda, mais precisamente do baterista Jr., sobre o poema ACROBATA DA DOR.
Assim, é fácil perceber a ligação da banda com Cruz e Sousa que “assina” sua “co-autoria” em mais da metade das músicas do quarteto e, entender o poder que este exerce no trabalho do grupo, inspirando, merecidamente, uma música escrita especialmente para o autor, denominada CISNE NEGRO, título pelo qual era conhecido em meio à classe intelectual, cuja letra fala sucintamente sobre sua vida, sua trajetória e seus desenganos.
Portanto, ROCKTONNES na sua simplicidade musical, é permeado pela riqueza poética de um dos maiores poetas pós- românticos brasileiros e, embora possa parecer estranho, à primeira vista, misturar poesia com rock pesado, veremos que neste caso a combinação é extremamente bem sucedida.
Imaginem então, de um lado Cruz e Sousa, “poeta do ritmo sincopado, das extravagâncias vocabulares e da sonoridade fantasmática, oral e transparente” (Carlos Henrique Schroeder), do outro Rocktonnes tratando, literalmente, da natureza humana naquilo que lhe é mais perturbador.
Resultado: ambos se completam, preenchem-se criando uma sonoridade forte, marcante e compassada, algumas vezes soando como um lamento, outras, como um entusiasmo suplicante.

Por Hugo Ricardo Melilo em 22 de maio de 2010.